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24 Rés-do-Chão

24 Rés-do-Chão

Do mesmo sangue.

Tio, as palavras abandonam-me quando é para falar de ti, não interpretes isto como um mau sinal, antes pelo contrário. Apenas não há falhas para apontar, não há defeitos a salientar e acho que a natureza dos seres humanos é apontar o que é mau, porque o que é bom é raro ou talvez não saibamos dar-lhe o merecido valor mesmo quando está diante dos nossos narizes. Eu aposto nos dois e é no último que eu falho, sei que não te digo o quanto gosto de ti, mas encaremos e admitamos que não sou boa com as palavras fora desta minha casa-segredo. Foi nos teus braços que melhor me senti, a chorar, quando o meu pai esteve no hospital, no seu pior. Isto porque tiveste sempre presente no meu pior. Agradeço por isso, com o coração grande.

Obrigada por te preocupares, por ouvires os meus planos e nunca dizeres uma palavra desencorajadora. Obrigada por reclamares não teres conhecimento do meu estágio para este ano, mas foste das primeiras pessoas a quem quis contar, tinha apenas receio, porque afinal sei que ainda me vês como uma menina, uma pequena criança a quem tu, muitas vezes, mudaste a fralda e obrigada, também, por saberes ver que de criança já tenho pouco em momentos que o exigem.

Obrigado por embirrares comigo, porque é dessa forma que eu sei que gostas de mim. Eu herdei isso de ti, sabes? Tratar mal mas com carinho é gostar, em nós. Pode não ser ético, mas é assim que funcionamos.

Desculpa por, em qualquer altura, poder ter-te desiludido ou faltado, mas eu só tenho 20 anos e tu mais 16, e estou a tentar ser metade daquilo que és, ter metade da loucura saudável, ter metade dos valores. Mas se há algo que eu quero mais que tudo é que apareça alguém que te leve, não para longe de mim, mas para perto da pessoa que não consegues ser aqui, quando perto dos seus olhos vigilantes; Alguém que te estime e retire a tristeza que baloiça nos teus olhos castanhos que o sorriso não disfarça, por mais profundo que esteja nos teus lábios. E gostava de conseguir ser eu a retirar-te dessa melancolia, mas não posso, porque acho que já faço parte desse teu sorriso.  E quando falo de ti, mesmo que com um português reduzido, sei que se ouve amor na minha voz, amor de uma sobrinha que mais do que gostar, tem orgulho de poder partilhar o mesmo sangue com alguém tão maravilhoso quanto tu. Porque és tão grande que são poucas as pessoas que te conseguem ter no coração, e que sejam poucas, mas que te amem com tudo o que poderem, tal como eu.

Hoje escrevo de e para ti, porque lembro-me de ouvir a música Paixão do Rui Veloso no teu carro e cantar baixinho, porque tu a sabias e eu não. Hoje ouvi-a e sei-a quase tão bem quanto tu.

Come to an end.

Tu já não és o rapaz que expelia charme e que com esse sorriso, que pega apenas num dos cantos, conseguia derreter-me as entranhas por completo. Eu hoje olho para ti e não vejo a luz que existia no teu rosto, os teus olhos estão apagados, como se a vida tivesse sido enterrada noutra qualquer parte do teu corpo. Por favor, diz-me que estou enganada. Mas... que fizeste aos caracóis? Até o teu corpo me parece estranho.

Consigo lembrar-me dos vários momentos que passei contigo e não sou poupada nos pormenores, até porque num qualquer blogue, há uns anos, os descrevi com exactidão. E é engraçado que os anos passam, mas tu vais ficando e eu caindo no enredo por qualquer migalha que vamos deixando no caminho um do outro e que logo deixa de ser suficiente. Ficaste, caí. Pretérito perfeito, perfeito para nós os dois.

Eras um cavalheiro, com a pitada de ousadia e subtileza que te fazia o meu rapaz, o meu fruto proibido que no final do dia, nas horas tardias, já não era assim tão proibido, talvez agora seja contra os meus princípios, mas foste e és o risco que nunca me arrependi de correr.

Vejo agora que é mais complicado falar de ti do que queria crer. Sinto-me como se fosse uma despedida e sinto-me triste, ironicamente, eu que sempre escrevi sobre ti e sobre a forma horrenda com que me prendias e a minha necessidade de ser livre. Também admiti que não te queria fora da minha vida de uma forma definitiva, mas não tenho grande palavra nesse aspecto quando somos dois a comando do jogo.

Talvez nem te apercebas, mas estás a afastar-me, estás a fazer-me querer-te longe. E seria pouco dizer que me tinhas exactamente onde querias e quando querias. Nada disto muda o teu quotidiano e não mudará o meu, mas caindo nos clichés, vou dizer que o coração ressente-se porque já te conhece, acomodou-te lá num canto e estimou-te o quanto pôde. Só que as migalhas acabaram-se. Tu já não és tu, és alguém que se deixou engolir pelo deleite e efemeridade da vida.

Já não preciso de viver nos intervalos da tua ausência, porque não é mais uma situação precária. Mas tenho tanto para te dizer. Como o ter saudades tuas, não de ti, mas daquele que me apresentaste há muito, e que me deixou muito tempo sem saber como sair daqui.

A letter to everyone and noone

Tenho cartas para escrever e não enviar. Umas porque já não tenho a morada, outras porque há coisas que nunca devem ser ditas a outrem, outras porque não acho que seriam entendidas, até porque às vezes a mensagem está nas entrelinhas e outras porque é apenas uma necessidade minha.

Tenho que as escrever mas não sei bem como, por quem começar ou o que dizer ao certo. Como daquelas vezes em que se tem tanto para dizer que as palavras tropeçam umas nas outras para sair e depois nada tem sentido, não quero isso. E depois, por quem começo eu? Não é a toda a hora que algo me faz lembrar daquela pessoa ou da outra, são pequenaos detalhes, como o refrão de uma música, um gesto, um perfume, um filme ou apenas uma conversa.

Portanto, é difícil escrever algo mais íntimo que não seja sobre como correu o meu dia - porque, infelizmente, todos os telemóveis do mundo explodiram. Não, é mais complexo que isso, é um desabafo, é dizer o que nunca foi dito independentemente das razões, porque essas nem sempre são racionais.

Talvez não as tenha que escrever em vão, talvez um dia alguém as encontre como parte da minha herança e veja ali pedaços de quem fui.

Pode ser que amanhã chova e veja um jovem ceder o seu casaco a uma jovem, pode ser que venhas falar-me da nossa antiga e bela amizade e eu não saiba o que dizer, pode ser que o veja de relance e me lembre de anos atrás. Quem sabe para quem hei-de eu escrever primeiro e o que irei eu dizer.