Desavindo
A fraqueza pesa-lhe nos olhos, onde o turvo reina. Está deitada, embrulhada sobre si mesma, joelhos ao peito e cabelo em chamas espelhado pela almofada. Um cobertor branco cobre-lhe as formas e quase se funde com a sua pele de porcelana, nua.
Ele está na ponta da cama de casal com o seu fato de má qualidade emaranhado, como que terá visto o chão antes de voltar ao quadro que emoldura, e de pés descalços. Tem os cotovelos nos joelhos e, encaixada nas palmas das mãos, a cabeça de onde todo o senso comum foi surripiado.
Não chora ela nem ele, mas sentem os dois o peso dos minutos que passam. Ela chama por ele, tão levemente, que ele debate se terá sido dito.
Ele levanta-se e deixa cair os braços em derrota; Ela ouve os seus passos sobre o chão de madeira, eles afastam-se e o medo ganha espessura no seu peito. Como pôde ele ir sem levá-los consigo? Sem ele, de nada lhe servem.
Ela chora para assim adormecer, embrulhada sobre si mesma, esmagando o peito numa tentativa de esmagar o medo e a dor que ele lá plantou. Mal sabe ela que ele sofre por agora saber, por não saber controlar. Mal sabe ele que não imaginou. Não sabe ela ainda que ele nunca foi e se aninhou com ela já depois das lágrimas terem secado, pois onde poderia ter ido ele sem sapatos?